É uma estória que se repete todos os dias, todos os anos e em todos os séculos. O ser humano tem a capacidade única de tornar fácil o que é difícil e vice-versa, mas também tem esta fantástica capacidade de se adaptar a todos os cenários e situações, de mudar, de criar e essencialmente de sonhar, esta “constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer”. A necessidade será sempre “a mãe da invenção”.
Isto vem a propósito do desenvolvimento da Inteligência Artificial e da chamada Indústria 4.0, também conhecida como “Quarta Revolução Industrial”, novos conceitos que já estão a transformar as empresas e a natureza do trabalho e do consumo. Podemos verificar isso mesmo nestes tempos difíceis que estamos a viver; a pandemia COVID 19 fez com que se privilegiasse o teletrabalho, o consumo através de canais digitais, a conectividade, o ensino remoto, a telemedicina, as conferências virtuais. O confinamento provocado pelo coronavírus forçou-nos a repensar a nossa vida diária e obrigou-nos a recorrer às ferramentas digitais para mantermos a chamada normalidade. A pandemia veio acelerar uma revolução que já estava em andamento.
Há dois anos, um relatório da OCDE referia que “as tarefas que a inteligência artificial e os robôs não conseguem fazer estão a diminuir rapidamente”, estimado ainda que 14% dos empregos iriam desaparecer devido à automação e que 32% dos empregos iriam sofrer mudanças profundas. Já em agosto deste ano, num artigo publicado na Time, economistas do MIT – Masachussets Institute of Technology, revelaram que os robôs poderão substituir até dois milhões de trabalhadores na indústria até 2025. Só nos EUA foram eliminados 40 milhões de empregos no auge da pandemia e os economistas alertam que 42%dos empregos perdidos não serão recuperados. Já Daniel Susskind, da Universidade de Oxford e autor do livro “Um mundo sem trabalho: tecnologia, automação e como devemos responder”, afirmou que “esta pandemia criou um incentivo muito forte para autonomizar o trabalho dos seres humanos (…) as máquinas não adoecem, não precisam de se isolar para proteger os colegas, não precisam de se afastar do trabalho”.
Se, no passado, as grandes empresas precisavam de mais trabalhadores para ter sucesso, nos dias de hoje já não é assim. A automação e a inteligência artificial permitiram que se faça mais com menos pessoas, facilitando e otimizando tarefas que anteriormente eram exercidas pelos humanos.
Manter as relações humanas
O setor transitário não é exceção a esta nova ordem. O surgimento de transitários digitais como a Flexport, Freighthub, Twill ou Zencargo veio permitir aquilo que há poucos anos, muitos julgavam ser impossível, como por exemplo a automatização de cotações ou a integração de “schedules” e de toda informação respeitante aos “carriers”.
Dentro do setor, em Portugal e no Mundo, a digitalização tem sido a nova palavra de ordem. Empresas, clientes, colaboradores e parceiros vivem, colaboram e comunicam num ambiente digital, procurando agilizar processos, reduzir gastos e aumentar a sua produtividade. Todos parecem estar cientes que o futuro passa por aqui e quem não se adaptar pode viver tempos muito difíceis
Muito recentemente, um novo transitário digital inglês, a Beacon, fundada em 2018 por dois antigos executivos da Uber, veio a público garantir que “com a digitalização a acelerar a nível global como resultado da COVID-19, acreditamos que o futuro do transitário tradicional está mais precário do que nunca”. A empresa, que acabou de ser alvo de um investimento de 15 milhões de dólares por parte de Jeff Bezos, o CEO da Amazon, já anunciou que irá aplicar esta verba no desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial, na cloud, na ciência de dados e automatização das operações logísticas. Segundo o CEO da Beacon, Fraser Robinson, “o nosso grande objetivo é criar uma disrupção no mercado, melhorando significativamente a experiência para importadores e exportadores, oferecendo serviços de transporte mais transparentes e inteligentes”.
No entanto, será que a atenção que atualmente está a ser dada à digitalização e tecnologia e aos sistemas preconizados pela inteligência artificial podem colocar em causa as pessoas e as relações humanas? Será que a tecnologia já está a ser mais importante que o ser humano?
O setor aspira por uma maior flexibilidade, mais informação e transparência, algo que o digital pode proporcionar, mas isso não significa que seja colocado de lado o relacionamento pessoal com o cliente, uma vez que esta dinâmica significa uma das grandes mais-valias das empresas transitárias: a confiança.
E esta ganha-se ou perde-se através das relações que são estabelecidas. Relações com pessoas e não com plataformas digitais. Nenhuma destas tecnologias nos vai olhar nos olhos e apertar a nossa mão para selar um negócio. A inteligência artificial, por mais desenvolvida que possa vir a ser, nunca irá superar a inteligência emocional para “desenrascar” um problema de última hora ou regatear um preço. A tecnologia pode e dever ser utilizada para apontar caminhos a seguir, mas a escolha, o “livre-arbítrio”, esse será sempre humano. E é nesta diálise que se encontra o grande desafio do transitário digital.
Espera-se que esta pandemia, além de nos ensinar sobre a importância da tecnologia nas nossas vidas, também nos alerte para o significado que as relações humanas têm e que não podem e nem devem ser descuradas, nomeadamente nos negócios. Todos ansiamos por um abraço, um aperto de mão, uma palavra de conforto ou de encorajamento. Porque todos queremos ver e queremos estar.
Porque quem CRIA os tempos fáceis e difíceis, mesmo sendo fortes ou fracos, são os HOMENS.
Autor: Pedro Pereira (Jornalista durante dezoito anos da publicação “Transportes em Revista”)